Publicado no dia
Arqª Fátima Regina Althoff*


Minha experiência de 32 anos de trabalho na esfera estadual, como técnica arquiteta e urbanista na área da preservação do patrimônio histórico, me fez concluir que é no município que uma política efetiva de preservação deve acontecer, é na cidade e seus bairros que a vida acontece e onde a dinâmica urbana se dá. E como tal, essa política de preservação não pode estar dissociada dos demais aspectos considerados no planejamento urbano. Os centros históricos e sua preservação devem também ser objeto de regulação dos planos diretores.

Historicamente, a preservação do patrimônio urbano arquitetônico nos municípios, esteve, via de regra, associada às instituições responsáveis pelas políticas culturais. Em Santa Catarina, a iniciativa da preservação pelas administrações municipais, ainda pode ser considerada insipiente, apesar de muitos municípios já possuírem leis de tombamento. O que ainda move as administrações municipais para a preservação é o incentivo ao desenvolvimento turístico, desligado de uma política de preservação associada à paisagem cultural urbana e suas manifestações imateriais.

O primeiro município catarinense a considerar o patrimônio histórico como mais uma condicionante para o planejamento urbano foi Florianópolis, onde o setor técnico-administrativo de preservação já nasce integrado à estrutura do primeiro instituto de planejamento urbano no estado. Foi seguido por Joinville e Blumenau, que num dado momento retrocedem, deixando esse papel somente para os órgãos responsáveis pela implementação das políticas culturais.

Com a promulgação da Lei Federal nº 10.257/2001 – Estatuto da Cidade – esse entendimento avançou e as questões da preservação urbana foram incorporados à essa lei e passam a ser objeto maior de atenção nas políticas urbanas. Apesar da existência do Estatuto da Cidade, atualmente a maioria dos municípios ainda não trata essa questão da preservação no âmbito do planejamento urbano, e continuam tendo como único instrumento jurídico as leis de tombamento, implementadas pelas secretarias e fundações municipais de cultura.

Os planos diretores como os ordenadores do desenvolvimento urbano nos municípios, devem absorver a preservação do patrimônio histórico-urbano, em todas as suas diretrizes, especialmente no título “Dos Instrumentos do Plano Diretor Participativo – Instrumentos jurídico-urbanísticos”. Neste título, o processo de proteção jurídica, conhecido como tombamento, deve estar detalhado, a exemplo dos demais instrumentos jurídicos como: IPTU progressivo no tempo; Outorga onerosa do direito de construir; Operações urbanas consorciadas; Transferência do direito de construir, Estudo de impacto de vizinhança e outros. Além disso, no plano, já podem estar delimitadas e descritas as áreas a serem preservadas, bem como a criação dos conselhos comunitários que lhe dão legitimidade. Provavelmente o primeiro município a integrar a preservação do seu patrimônio histórico ao seu plano diretor foi o município de Águas Mornas, em 2008.

Muito esforço humano, material, e recursos financeiros foram dispendidos na construção e consolidação dos centros históricos de nossas cidades. Em tempos de valorização de uma vida mais sustentável, diante das necessidades habitacionais da população urbana, temos que mais e mais nos voltar à preservação como forma de assumir o compromisso da sustentabilidade arquitetônica e do reuso das estruturas históricas de nossos centros urbanos, dentro da perspectiva do desenvolvimento urbano sustentável.

E neste sentido, temos que ficar atentos para as diversas formas de apropriações das áreas urbanas históricas, mormente aquelas que ainda não foram esvaziadas de seus usos e significados, não permitindo que as operações urbanas, de renovação, revitalização e outras, as transformem em “não lugares” a serviço da especulação imobiliária, calcadas apenas nos aspectos imagéticos, constituindo-se em mais uma manifestação do fenômeno do city-marketing. É fundamental manter a habitação juntamente com as atividades terciárias, trazendo segurança e vitalidade para as áreas históricas, cumprindo ao mesmo tempo função social da cidade e da propriedade.

Concluindo, relacionamos abaixo nossa sugestões de diretrizes a serem adotadas pelas administrações municipais relativamente aos seus conjuntos e centros históricos:
– Integrar a preservação no âmbito do planejamento urbano
– Fomentar a preservação como parte do desenvolvimento urbano sustentável
– Considerar o patrimônio histórico urbano como alternativa na implementação das politicas habitacionais.

Finalmente, alertamos para o fato de que a preservação do patrimônio urbano arquitetônico é uma atribuição do profissional arquiteto e urbanista, desde o seu reconhecimento técnico até sua restauração, no entanto consideramos o cabedal de conteúdos técnicos-teóricos na área, adquirido na formação profissional, bastante tímido. É necessário ampliar esse tema na formação dos profissionais arquitetos e urbanistas, abordando e aprofundando as questões teóricas que balizam a conservação-restauração arquitetônica e logicamente ser objeto de discussão e proposição nas disciplinas de planejamento urbano e projeto arquitetônico. Portanto, é imprescindível uma maior capacitação profissional do Arquiteto e Urbanista para atuar com critério e responsabilidade na preservação do patrimônio urbano-arquitetônico.

Lisboa, 03 de junho de 2019.

 

*Arquiteta e Urbanista – Especialista em Conservação e Restauração de Monumentos e Conjuntos Históricos- UFBA e Mestre em Urbanismo, História e Arquitetura da Cidade-UFSC, conselheira do CAU/SC

Deixe seu comentário